Formação e o Papel do Psicólogo Esportivo
Quando se propõe discutir sobre a formação do psicólogo esportivo no Brasil, inevitavelmente, se propõe determinar, de início, quais são os elementos que compõem esse cenário, de que forma eles estão dispostos e, mais do que isso, de que forma eles estão se relacionando.
Levando-se em conta essa perspectiva, ao longo desse trabalho, através de pesquisa e muita leitura, foi possível determinar alguns elementos que têm assumido lugares importantes dentro da formação do psicólogo esportivo e que merecem neste espaço, ser discutidos. São estes: o papel da Psicologia dentro da formação do psicólogo do esporte, e aí abrange em que nível (graduação ou pós-graduação lato e/ou stricto-sensu) tem que se dar formação, de que forma e, as competências exigidas no fazer profissional do psicólogo esportivo.
Com relação ao papel da Psicologia dentro da formação do psicólogo esportivo, as informações, que, freqüentemente, veiculavam através dos livros ou na opinião dos profissionais, fossem estes psicólogos ou não, eram de que o curso de graduação deveria oferecer uma disciplina no campo da Psicologia do Esporte a fim de “garantir”, mínima que fosse, a possibilidade de um espaço para aquisição de conhecimento.
No entanto, hoje se tem claro, de acordo com os resultados levantados, que a questão da inserção dessa disciplina específica, não se constitui mais em uma necessidade vista como crucial na formação do psicólogo esportivo. Isso porque, baseando-se nas Diretrizes Curriculares do curso de Psicologia, sabe-se que uma única disciplina, seja em que área for, não existe num currículo de graduação, para dar conta de contemplar conteúdos que devam ser capazes de desenvolver as competências necessárias ao exercício do psicólogo como um todo, seja no campo do esporte ou em qualquer outro.
Ao contrário. Como apontaram Bastos e Achcar (1994), dada a diversidade que tem se apresentado, através dos diferentes contextos em que o psicólogo se encontra hoje inserido e aos problemas enfrentados, a Psicologia não está e nem pode assumir uma postura estática ou conservadora. Seu objeto de estudo é o indivíduo, e o indivíduo, por sua natureza, é um ser dinâmico, que sofre transformações, desenvolve necessidades, está o tempo todo em contato com estímulos capazes de mobilizá-lo tanto positiva como negativamente.
Por conta disso, também o psicólogo tem que, ao mesmo tempo em que acompanha essas transformações vivenciadas por este indivíduo, desenvolver competências profissionais que o capacitem adequadamente para lidar com as novas necessidades e os novos cenários impostos pelas mudanças. Quando se fala aqui em competências, estas estão relacionadas a uma especificidade necessária àquele contexto escolhido como campo de intervenção pelo psicólogo. Ao examinar o Quadro da lição "Competências do Psicólogo Esportivo: Visão Geral", é possível perceber essa realidade. Ou seja, as competências exigidas no fazer profissional do psicólogo esportivo, abrangem tanto competências que são desenvolvidas ao longo dos cinco anos do curso de Psicologia, como também competências que só serão ou deverão ser desenvolvidas num curso específico, no caso, provavelmente um curso de especialização, que pela sua própria característica de formação, foi criado para suprir a necessidade de profissionais em busca de conhecimentos específicos de uma área.
Ainda assim, o fato de ficar claro que não cabe aos cursos de graduação o ônus da responsabilidade de uma formação específica, não liquida a discussão em torno da formação do psicólogo esportivo. Na verdade, só inicia uma outra: a discussão sobre a demanda de cursos de especialização em Psicologia do Esporte, oferecidos, atualmente, no Brasil.
Pode-se afirmar que existe pelo menos um curso de especialização em Psicologia do Esporte sendo oferecido em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul. Estados onde, coincidentemente, estão localizadas as chamadas ilhas de excelência, ou para ser mais clara, os profissionais de renome do campo da Psicologia do Esporte que, pelo seu trabalho, suas publicações, sua atividade acadêmica, etc, tornaram-se referência nacional.
O problema, no entanto, é que dentre essas possibilidades, só um desses cursos tem habilitado, legalmente, o psicólogo como psicólogo esportivo, fornecendo ao mesmo, o título de especialista em Psicologia do Esporte reconhecido pelos órgãos oficiais CFP e ABEP. Isso significa que, desde a aprovação desse título (2001), cinco anos depois, apenas um único curso foi, até hoje, credenciado no Conselho Federal de Psicologia e aprovado pela ABEP. E quanto aos outros cursos existentes? Quem os oferece não está habilitando seus profissionais, uma vez que não são credenciados? Não é possível afirmar isso, mesmo porque, pela própria trajetória dos profissionais entrevistados, já ficou comprovado que não é só um título de especialização que pode fazer a diferença na formação de um profissional dessa área e sim, um conjunto de fatores associados a um conhecimento específico, que produz um profissional qualificado, apto a exercer sua profissão adequadamente. A especialização deve ser um meio e não um fim, na formação do psicólogo esportivo.
O que é possível afirmar nessa questão, no entanto, é que sendo o curso de especialização um meio de aquisição de conhecimento na formação do psicólogo esportivo e, o título de especialista, uma “garantia” legal ao profissional e às pessoas que usufruem os seus serviços, a união dos dois traria, teoricamente, ao psicólogo esportivo, um duplo reconhecimento, ou seja, tanto o profissional quanto a população estariam “garantidos” pela formação (já que o curso é credenciado) e pelo título de especialista (o profissional está inscrito no Conselho que regulamenta e responde pelas suas funções profissionais).
Mas na prática, sabe-se que isso não ocorre dessa maneira, por que não há como provar se um profissional se torna competente por ter feito um curso de especialização ou mesmo cursos em nível stricto-sensu (mestrados e/ou doutorados). O que há é uma expectativa de que esses veículos de formação possam contribuir sim, para que este profissional esteja preparado para dar conta de suas funções como psicólogo esportivo.
Caso contrário, ainda, se nenhum desses caminhos puder satisfazer as lacunas do conhecimento, existe um elemento de formação que pode funcionar como diferenciador entre os profissionais que têm atuado em Psicologia do Esporte: a formação em Psicologia.
Aqueles que se formaram, inicialmente, em outros cursos como Educação Física, Filosofia ou Pedagogia e se interessaram, posteriormente, pela Psicologia do Esporte, fizeram a graduação em Psicologia. E isso não é uma coincidência, porque está no relato desses profissionais que a procura pela graduação em Psicologia se deu pela necessidade de se conhecer de forma mais aprofundada o indivíduo, e olhar esse indivíduo pela lente de um referencial teórico-metodológico específico da área, no caso, a Psicologia. E, é esse referencial que serve de subsídios para a prática de intervenção do psicólogo esportivo. Se não, por que o nome Psicologia do Esporte, se não for a Psicologia a fazer diferença nessa atuação?
Afirmar que é do psicólogo, o direito de exercer atividades de intervenção junto a atletas, equipes esportivas, técnicos, pais, etc, é reconhecer que só ele, mais nenhum profissional formado em outra área, ainda que tenha adquirido conhecimentos da Psicologia através de disciplinas acadêmicas, cursos de extensão, especialização, mestrado ou doutorado, está preparado para fazer leituras sobre o ser humano, seja no contexto esportivo ou em qualquer outro. E aqui cabe um esclarecimento pela ênfase dada ao afirmar só ele: hoje, no Brasil, ainda não existe nenhuma outra formação que possa oferecer ao profissional, o conhecimento necessário advindo da Psicologia, que não seja através de um curso de graduação nessa área. E, além disso, também é necessário considerar que, por uma questão de legalidade, ou seja, nas leis aprovadas pelo Ministério da Educação e pelos órgãos oficiais responsáveis pelo exercício profissional do psicólogo, a Psicologia do Esporte, enquanto prática de intervenção, é um mercado reservado ao psicólogo. Ou seja, mesmo o profissional tendo, por exemplo, adquirido um certificado pela AAASP (Associação para o Avanço da Psicologia do Esporte Aplicada) (ver p. 98-103), que lhe dá o título de Consultor em Psicologia do Esporte, o mesmo não poderá exercer essa função aqui no Brasil, a menos que consiga, junto aos Conselhos de Psicologia, uma equivalência que o autorize a exercer essa função. Sem isso, o profissional que, com essa formação insiste em realizar práticas de intervenção, está fora das leis do país e, portanto, deverá ser denunciado.
Vale ressaltar que essa medida é necessária, uma vez que se lida com o ser humano, ou seja, qualquer intervenção inadequada ou ações que não sejam baseadas em conhecimento científico e respeitem uma ética profissional, podem trazer sérios danos emocionais ao indivíduo, muitas vezes, irreparáveis. E o Código de Ética do psicólogo, como em qualquer outra profissão, é específico dessa atuação. É só comparar, por exemplo, um dos itens, a obrigatoriedade do sigilo. Não existe no código de ética do engenheiro algo que o obrigue a guardar “confidências” de um atleta em relação ao técnico. É fato que isso pode ocorrer, até por uma questão de bom senso do profissional, mas se assim for, se todos podem agir pelo bom senso (que, a meu ver, é algo tão pessoal), de que serve a formação e a ética profissional?
Por isso, independente da existência ou não, de uma formação lato ou stricto-sensu, é do psicólogo, baseado em sua formação inicial, considerada generalista no Brasil (Maluf, 2003), a função de realizar intervenções, seja em que contexto for, principalmente, porque sua formação permite, de acordo com as Diretrizes Curriculares, uma formação para esse profissional, não só no campo profissional, como no campo da pesquisa e do ensino.E estas características, de antemão já contemplam, de acordo com os autores dos capítulos dos livros consultados, as três funções designadas no fazer do psicólogo esportivo: o psicólogo esportivo clínico (que faz intervenções), o psicólogo esportivo educacional (que ministra disciplinas, conferências, palestras) e o psicólogo esportivo pesquisador (aquele que estuda e desenvolve novos conhecimentos, métodos, estratégias, etc, no campo da Psicologia do Esporte).
Portanto, se a formação do psicólogo esportivo é um assunto que continua provocando polêmicas no campo da Psicologia do Esporte, é necessário se investigar se os cursos oferecidos estão ou podem dar conta da demanda de profissionais que têm interesse na Psicologia do Esporte e, se o que tem sido oferecido através destes veículos de formação, tem dado conta de formar psicólogos do esporte capazes de cumprir as competências exigidas no seu fazer profissional.
Como aponta Franco (2004), citando Horn e Dewar, para o futuro da Psicologia do Esporte como um todo, deve-se analisar criticamente não só o que se está fazendo, mas como e por quê estamos fazendo e, principalmente, por quê ainda estamos fazendo de maneira individualizada. Desenvolvendo meios críticos e reflexivos que permitam rever o exercício da Psicologia do Esporte poderemos, enfim, transformar a sua história, o seu futuro.
Se a Psicologia do Esporte no Brasil é propagada por vários profissionais como uma área promissora, por que o retrocesso? E aqui se levanta uma outra questão? A quem caberia o papel e a iniciativa de reunir as pessoas em sua diferença e manter aberto um canal de comunicação entre elas? O CFP e CRP? A SOBRAPE? A nova Associação de Psicologia do Esporte, a ABRAPESP (fundada em 2003, durante o I Simpósio de Psicologia do Esporte, em SP)? Diria que, de acordo com as funções assumidas por cada um deles em seus estatutos, todos teriam a possibilidade de exercer esse papel, mas infelizmente, pouco se tem feito a respeito, pelo menos no que diz respeito a reunir os profissionais das diferentes “ilhas”.
E, se o desejo de mudar essa realidade existe, então diria que só é possível transformar essa história, se houver um movimento conjunto, principalmente dos profissionais já inseridos na área, de se posicionarem de maneira, não para disputar espaço, mas para dividi-lo. É, tão necessária, é também saudável transitar na diferença. Só assim pode-se enxergar o outro, só assim podemos enxergar a nós mesmos, seja como pessoa ou como profissional.
Enquanto isso não ocorrer, estamos correndo o risco de continuar em “ilhas isoladas”, com as mesmas pessoas, falando sobre as mesmas coisas.
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