Estudando: Introdução à Psicologia do Esportes
Introdução
Vários esforços têm sido feitos na direção de delimitar os campos de atuação do psicólogo, mas ainda existem questões presentes que não se esgotam. Mesmo com o aumento da freqüência de discussões e trabalhos publicados, os estudos realizados referentes ao exercício profissional do psicólogo continuam a apontar para uma limitada percepção das possibilidades de atuação deste profissional (Botomé , 1988).
Segundo o mesmo autor, ainda é presente no reconhecimento da Psicologia enquanto área de conhecimento e campo profissional, o perfil predominante do saber fazer da clínica. Em outras palavras, é como se o aprendizado oferecido nos cursos de formação continuassem enfatizando a herança herdada pela Psicologia do modelo médico, onde as atividades desenvolvidas pelos psicólogos estão muito mais voltadas para o trabalho com indivíduos isolados ou grupos pequenos do que, por exemplo, grandes contingentes populacionais. A prática clínica está tão enraizada nas origens da Psicologia que a própria identidade entre Psicologia e psicoterapia resiste a todo conhecimento produzido nos últimos 50 anos a respeito do que é e pode ser a Psicologia tanto como área de conhecimento como quanto campo (ou campos?) de atuação profissional (Botomé, 1988; p. 276).
Mesmo assim, essa forte ligação, apesar de resistente, não impediu os diversos avanços que têm sido feitos na direção de ampliar a prática do psicólogo para além da clínica. Para Francisco e Bastos (1992), os psicólogos têm buscado consolidar uma atuação que não se restringe mais só às atividades voltadas à mensuração de características psicológicas e intervenção frente a problemas de ajustamento de indivíduos. Não obstante, os órgãos oficiais (Conselhos Federal e Regional de Psicologia), criaram em 2001, o título de especialista reconhecendo não só os campos mais tradicionais da Psicologia (clínica, escolar e organizacional), mas também aqueles que, através de pesquisas, se constituíram nos novos cenários de atuação do psicólogo no Brasil (hospitalar, trânsito, jurídica, esporte, psicopegagogia, psicomotricidade, social e neuropsicologia).
O parágrafo que se segue é um trecho, de um dos temas das discussões, realizadas por comissões, em todos os Conselhos Regionais de Psicologia, em 2000, a respeito da criação do título de especialista, que prova a iniciativa de oficializar campos de atuação da Psicologia até então, desconhecidos do ponto de vista legal.
A especialidade é, portanto, uma decorrência do próprio desenvolvimento da Psicologia em suas diferentes áreas de inserção, tais como hospitais, presídios, creches, fóruns etc. A Psicologia não pode hoje ser vista como uma prática limitada ao consultório, aos recursos humanos e à escola. Sua entrada em setores distintos produz modificações nessas áreas, assim como no saber psicológico. Se desconsiderarmos, estas novas realidades corremos o risco de reproduzir práticas tradicionais que não se adaptem às novas demandas. É fundamental que essas práticas sejam sistematizadas, com vistas à produção de conhecimentos científicos. A criação do registro pode favorecer que profissionais com atuação numa mesma área se unam, reflitam, pesquisem e aprofundem conhecimentos que representem avanços tanto teóricos como práticos para a Psicologia (Jornal de Psicologia; 03- 04/2000).
Após quatro anos da Resolução Nº 002/2001, baixada pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) em 22 de março de 2001, os problemas referentes à prática profissional do psicólogo prosseguem e estes não dizem respeito só ao campo da Psicologia do Esporte, tema central deste curso. Na verdade, o que se percebe é que o título “garante” o lugar do psicólogo no mercado de trabalho, mas não garante um conhecimento que, a priori, deveria ser adquirido na sua formação, seja ela inicial ou em nível de pós-graduação. E neste sentido, é unânime encontrar em várias obras da literatura que discutem este assunto, autores como Botomé (1988); Francisco e Bastos (1992); Bastos e Achcar (1994) e Duran (1994) que afirmam, apesar de todas as mudanças voltadas a sistematizar a diversidade que permeia a Psicologia enquanto área de conhecimento e campo profissional, a formação ainda é uma questão pendente.
Em citações originais dispostas cronologicamente e por ordem de capítulos (especificamente para aqueles que fazem parte da mesma obra) é possível identificar alguns pontos comuns entre os autores, a respeito do tema levantado: Veja a seguir:
Em citações originais dispostas cronologicamente e por ordem de capítulos (especificamente para aqueles que fazem parte da mesma obra) é possível identificar alguns pontos comuns entre os autores, a respeito do tema levantado: Veja a seguir:
Botomé (1988):
...A formação profissional parece baseada em uma concepção de “modelo pronto de trabalho em Psicologia”. Há uma ausência, na formação, de habilitações para estudar, analisar, elaborar, testar e desenvolver projetos de trabalho profissional a partir de problemas, limitações e dificuldades (p. 277)
...O ensino superior não parece dedicar-se a corrigir a tendência predominante do exercício profissional. Mesmo por que, o currículo parece mais voltado ao ensino de técnicas e modelos de atuação profissional já existentes do que ao desenvolvimento de alternativas de atuação profissional socialmente significativas.
Nem ao menos há, ainda, uma significativa dedicação, na universidade, ao desenvolvimento de conhecimento sobre outras possibilidades de realização do exercício e da profissão. Os modelos de currículo e de ensino ainda enfatizam a “transmissão de conteúdos”, ignorando que essa metáfora (algo “cheio” transmite “conteúdos” a algo vazio) não é um discurso adequado para traduzir o processo que ocorre quando alguém aprende a partir do que faz alguém que ensina...(p. 280-281).
No planejamento da formação do psicólogo e no exame do exercício profissional há pouca clareza sobre a distinção entre as concepções da Psicologia como área de conhecimento, como campo de atuação profissional e como mercado de trabalho. O exercício da profissão e a formação de novos psicólogos, sem essa distinção, correm o risco de não superarem os vários problemas hoje existentes na atividade profissional (p. 281).
Francisco e Bastos (1992):
Francisco e Bastos (1992):
...Ao se estudarem os vínculos do exercício profissional com o processo de formação, a ênfase normalmente recai nos aspectos curriculares que determinam a existência de um modelo hegemônico de fazeres profissionais que veda a possibilidade de diversificação do exercício da Psicologia. Como fator importante, ao formar psicólogos cujo leque de competências não amplia a sua inserção no mercado e não transforma campo potencial em demanda de serviços- os processos formativos reproduzem o modelo hegemônico e ampliam o isolamento do psicólogo. Como assinalam Weber e Carraher (1982), “existe um consenso de que o currículo vigente no Brasil não reflete o estado atual da Psicologia como ciência e como profissão. Constatam-se defasagens patentes entre o que aqui é ensinado e o que é produzido nos grandes centros intelectuais, bem como entre o que o psicólogo aprendeu e os desafios que afronta cotidianamente na sua prática profissional” (p. 5) (213-214).
...Uma análise das mudanças curriculares nos últimos 20 anos revela a preocupação e, mesmo, as tentativas crescentes de atualização, embora saibamos que muito do modelo tradicional perdura e que, para se empreender uma mudança estrutural, que parece ser a meta, é necessário mais do que repensar carga horária ou substituir disciplinas. Tais mudanças superficiais estão fadadas ao fracasso e certamente não contribuirão para alterações significativas na construção da ciência e prática psicológicas entre nós (p. 214).
Bastos e Achcar (1994):
...É necessário que no curso de formação acadêmica do psicólogo sejam rompidos os limites que o aprisionam a uma formação fragmentada e tecnicista ou que o preparem para reproduzir formas extremamente limitadas de enfrentar um reduzido leque de problemas (p. 325).
...A mudança na formação não pode se reduzir ao plano dos conteúdos ou conhecimentos, mesmo que a sua ampliação dê conta dos novos contextos, clientelas e problemas com os quais o psicólogo passou a se deparar (p. 325).
Duran (1994):
Duran (1994):
...Muito do que tem sido dito ou escrito convence da necessidade de reformas no plano de formação. O quadro que se revela, a partir dos resultados e reflexões constantes dos trabalhos até aqui expostos, nos mostra uma profissão em processo de transformação e necessitando revisão em seus modos de formação profissional. Tal revisão implica novas atitudes em relação ao conhecimento, a sua produção, ao exercício da profissão e, naturalmente, ao processo formador. Não se esgota em qualquer procedimento discreto, mas supõe um processo abrangente em que instituições em vários níveis no âmbito da educação e no âmbito profissional, nos limites de suas competências, promovam as avaliações e as medidas que possam contribuir para aproximar a formação profissional das exigências sociais que a derivam condicionar (p. 368).
Baseando-se nas citações acima, fica claro que, desde aquela época, já existia uma necessidade emergente na Psicologia, não só do reconhecimento de novas áreas, mas, principalmente, da reestruturação das diretrizes de formação do psicólogo. Todos os autores, sem exceção, apontavam para a necessidade de mudanças emergentes, destacando entre elas: o abandono ao modelo hegemônico, que acaba dificultando ao psicólogo a possibilidade de ampliar sua inserção no mercado e transformar seu campo potencial em demanda de serviços; uma mudança estrutural no modelo de formação que não se reduza apenas a repensar a carga horária ou substituir disciplinas (Francisco e Bastos, 1992) e, um processo abrangente em que instituições, em vários níveis no âmbito da educação e profissional, possam promover avaliações e medidas que venham contribuir para aproximar a formação profissional das exigências sociais que a deveriam condicionar (Duran, 1994).
Os autores, Bastos e Achcar (1994), acrescentavam, também, que o fato de se discutir formação em nível de graduação, não necessariamente implicaria que só o mesmo teria que dispor de condições para preencher essas lacunas já que, dada a diversidade de problemas e contextos que o psicólogo encontrava e encontra até hoje, a mesma não conseguiria ser contemplada em toda a sua extensão num curso no nível de graduação.
Mesmo porque, entende-se que a formação dada pelos cursos universitários deve ou deveria constituir a base de conhecimento para formar um profissional, e não se tornar o único recurso responsável na aquisição do mesmo, que surge, posteriormente, na vida de um profissional quando este se depara com novas necessidades produzidas pela dinâmica do mundo e dos indivíduos que fazem parte dele.
Sendo assim, diante dessas e outras mudanças emergentes apontadas pelos autores e pela própria Psicologia , em 12 de Abril de 2004, através da Resolução CNE/CES6 Nº 87, foram aprovadas as novas Diretrizes Curriculares do curso de Psicologia, que propõem, hoje, como bases de formação do psicólogo desenvolver competências e habilidades profissionais, em substituição à tradição curricular baseada na enunciação de disciplinas e conteúdos programáticos, que se expressaram historicamente na obrigatoriedade de um currículo mínimo (Maluf e cols, 2003; p. 9). É, também, papel da formação atual desenvolver forte compromisso com a perspectiva científica e com o exercício da cidadania, assegurar postura ética, garantir visão integrada dos processos psicológicos e permitir a ampliação dos impactos sociais dos serviços psicológicos prestados à comunidade (p. 9).
Em outras palavras, pode-se afirmar, que a aprovação das novas Diretrizes Curriculares significa não só o resultado dos esforços que foram feitos na direção da reestruturação dos cursos de Psicologia, mas também, a possibilidade de reflexão sobre estes esforços, discutindo suas implicações e influências, principalmente, no campo da Psicologia do Esporte, já que isolar os reflexos dessa reestruturação da área em relação à própria estruturação deste campo seria inevitável ou, no mínimo, impossível.
Neste sentido, não basta apenas olhar para o processo de crescimento da Psicologia do Esporte no Brasil que, como já apontado, anteriormente, é visível. É necessário sim, mergulhar em sua história buscando identificar e entender em que bases os saberes que caracterizam seu campo de intervenção foram construídos e quais as competências exigidas no fazer profissional do psicólogo esportivo. Afinal, como profissão relativamente nova, muito dos saberes da Psicologia do Esporte ainda estão se consolidando no nível da ciência e isto influi no seu fazer, o que significa que ainda há muitas divergências de dados, de teorias, de modelos, insuficientemente pesquisados que necessitam maior aprofundamento. Além do que, a realidade também tem demonstrado que os próprios psicólogos e estudantes de Psicologia ainda reagem com certa estranheza à possibilidade de trabalhar, por exemplo, junto a uma quadra de tênis ou campo de futebol.
No entanto, há de se considerar que o esporte não é, hoje, apenas um espetáculo onde os indivíduos vivenciam superações e se realizam, mas é, também, um meio no qual os atletas incorporam papéis que se misturam a sua própria identidade, ao seu próprio self.
O que torna possível afirmar que existe um elemento neste cenário, que está além da habilidade motora, o chamado fenômeno psicológico, co-responsável pela produção de ações e reações que mobilizam não só atletas, mas todos aqueles que direta ou indiretamente estão envolvidos com o esporte. E é este o fenômeno, que tem sido responsável por reformular, segundo Bastos e Achcar (1994), os esquemas conceituais que embasam a atuação profissional do psicólogo, não só no campo da Psicologia do Esporte, mas em outros campos de atuação.
Para os autores, o traço distintivo de tal mudança consiste na busca de compreender o indivíduo e os fenômenos psicológicos de forma integrada a outros fenômenos, especialmente aqueles de cunho social, cultural e político (p. 305-306).
Ou seja, o que muda na intervenção do psicólogo esportivo é apenas o tipo de atividade trabalhada – o esporte – e os requisitos que são necessários ao bom desempenho do profissional da área. A prática do psicólogo esportivo se assemelha às demais atividades de psicólogos que lidam com a questão do trabalho, mudando, portanto, apenas o cenário (Bonfim, 1994, p. 275).
Mas, se a “única” mudança que o psicólogo enfrenta para trabalhar no campo da Psicologia do Esporte é seu “locus de intervenção”, como relata Bonfim (1994), por que ainda existem tantos equívocos a respeito de profissionais, que acabam exercendo funções que só caberiam ao psicólogo ou psicólogos do esporte e a mais ninguém? Ou ainda, por que a maioria das equipes esportivas e atletas continua privada da intervenção deste profissional?
Talvez a resposta que se pretende fornecer, ao longo deste trabalho, não seja tão “simplista” ou “ingênua” quanto diria, tenha sido a dada por Bonfim (1994). Ao contrário.
Até o momento, algumas hipóteses já foram levantadas, entre elas, a contradição existente entre a demanda de veículos de formação e informação oferecidas aos profissionais e as queixas destes mesmos profissionais sobre a dificuldade de encontrar formação e informação adequadas para aprimorar seu conhecimento neste campo; a re-estruturação da própria Psicologia enquanto área de conhecimento e enquanto campo de intervenção, que passa, necessariamente como já mencionado, pela reforma curricular dos cursos de formação inicial e, por que não dizer, dos cursos de formação lato e stricto-sensu. Em outras palavras, talvez antes de se perguntar o porquê de muitos profissionais assumirem funções ou intervenções que, legalmente, não lhes pertence, seja necessário perguntar o quê, na verdade, faz um psicólogo do esporte, quais são suas funções e, em que competências essas funções estão alicerçadas.
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