A Psicologia no Brasil
A Psicologia no Brasil: história da construção de uma ciência e sua práxis
Buscar analisar a história de qualquer ciência se constitui numa tarefa complexa e, muitas vezes difícil, já que seu processo de construção é contínuo e dinâmico. E, no caso da Psicologia, isso não é diferente. A compreensão do processo de construção histórica de uma área de conhecimento é tão imprescindível quanto o conteúdo de suas teorias e o domínio de suas técnicas que, tomando atemporalmente, são meros fragmentos de uma totalidade que não se consegue efetivamente apreender (Antunes, 2001; p. 9).
Como protagonistas desse cenário, muitos pesquisadores têm contribuído para atualizar ou acrescentar maior conhecimento à humanidade através de estudos e pesquisas que mostram a história da Psicologia sob vários aspectos: científico, prático e da diversidade. Entre eles podemos citar Figueiredo (1992) que tem, através de suas publicações, trilhado um caminho para entender melhor essa ciência nascida no final do séc. XIX; Achcar (1994); Vilela, Cerezzo e Rodrigues (2001), pesquisadores responsáveis pela publicação do Caderno Clio-Psyché10; Antunes (2001); Massimi e Guedes (2004), além de outros pesquisadores ligados aos órgãos oficiais, CFP e CRP (Conselho Regional de Psicologia). Todos, sem exceção, têm apontado as inúmeras mudanças e crescimento nesta área. Por esse motivo e, em virtude do valor das informações contidas em suas obras, estes e outros autores foram utilizados como referência na construção desta lição.
Na intenção de entender as raízes da Psicologia e seus reflexos para a Psicologia dos dias atuais, procurou-se resgatar o processo que culminou no seu desenvolvimento enquanto ciência, inicialmente na Europa e, logo após, no Brasil já que: ao percorrer a história das idéias psicológicas ao longo da cultura brasileira é possível evidenciar muitos dos conceitos utilizados pela Psicologia moderna que possuem raízes no passado (Massimi, 2004, p. 65). No entanto, para isso é necessário inicialmente entender como surgiu o que chamamos hoje de psicológico.
Figueiredo (1996), em uma de suas obras, afirma que o psicológico nasceu ou foi inventado, a partir do que foi expurgado de um sujeito supostamente unitário e soberano que, no final no séc. XIX viveu seu apogeu e sua dissolução ao começar a perceber que o homem não ocupava o centro do mundo (p. 15). A partir daí, na busca do entendimento desse sujeito, na intenção de restaurar o humanismo, começaram a surgir as chamadas psicologias, representadas por diferentes escolas que tinham, até aquele momento, como objetivo estabelecer uma subjetividade indissociável.
O homem, portanto, antes regido por uma razão que, até então, estava submetida à fé, representante de um poder centralizador, sofreu transformações a partir do surgimento do capitalismo. Este foi responsável pelo aparecimento de novas necessidades, fazendo o homem ir à busca de um conhecimento que deveria ser produzido por ele e não mais pela fé. Os dogmas da Igreja passaram a ser questionados e a racionalidade tornou-se a grande arma para a construção desse novo conhecimento.
Era preciso quebrar a idéia de universo estático para poder transformá-lo. Era preciso questionar a Natureza como algo dado para viabilizar a sua exploração em busca de matérias primas.
Estavam, portanto, dadas as condições materiais para o desenvolvimento da ciência moderna (Bock, Furtado & Teixeira, 1999; p.38).
Desde então, o conhecimento científico procurou avançar, na modernidade, através de análises rigorosas do ponto de vista metodológico. As idéias mais claras e simples, os objetos reduzidos em sua complexidade, a possibilidade de quantificação dos fenômenos transformaram-se em pré-requisitos para um conhecimento rigoroso e sistemático da natureza, condição para que um saber almeje o status de científico (Mancebo, 2004; p.12).
O modelo de racionalidade, portanto, passa a se estender progressivamente às ciências sociais e humanas emergentes assim como às questões relacionadas ao individual e ao coletivo, resultando em estudos voltados à necessidade de novas teorizações que dessem conta dos interesses individuais, da vida em sociedade recém-inaugurada, bem como ao duplo processo de individualização/integração em que se sustentava a formação dos estados modernos (Mancebo, 2004; p. 12). Surgem, então, as primeiras ciências sociais voltadas a desenvolver teorias sobre a economia, política, o Estado, o social e também as primeiras ciências psicológicas encarregadas dos indivíduos, suas paixões, pulsões e interesses (Mancebo apud Mancebo, 2004).
O capitalismo, portanto, se constitui num fator determinante na construção da Psicologia enquanto ciência mas, segundo Antunes (2001), não foi o único. Ele foi, utilizando uma linguagem simbólica da autora, o terreno fértil e propício que deu o substrato para que a Psicologia se desenvolvesse e pudesse alçar à condição de ciência independente (p. 115). O processo de constituição da Psicologia foi multideterminado: não um, mais vários fatores contribuíram para a construção do seu conhecimento científico, incluindo as influências da Fisiologia, Neuroanatomia e Neurofisiologia que alavancaram o entendimento da Psicologia em relação ao homem através de descobertas importantes como, por exemplo, a de que a doença mental era fruto da ação direta ou indireta de diversos fatores sobre as células cerebrais (1846), ou ainda que a atividade motora nem sempre está ligada à consciência, pelo fato de não estar necessariamente na dependência dos centros cerebrais superiores (Bock, Furtado & Teixeira, 1999).
Adquirindo o status de ciência autônoma formada por diversas correntes, a Psicologia desenvolveu campo e objeto próprios, diferenciando-se em relação às demais ciências, ao adotar outros métodos e outras metas de investigação. A matéria prima da Psicologia passou a se constituir no homem em todas as suas expressões: as visíveis (nosso comportamento) e as invisíveis (nossos sentimentos), as singulares (porque somos o que somos) e as genéricas (porque somos todos assim)- é o homem-corpo, homem-pensamento, homem-afeto, homem-ação, tudo isso como síntese de uma subjetividade (Bock, Furtado & Teixeira, 1999; p.23).
Já no Brasil, o reconhecimento da Psicologia enquanto ciência também não foi diferente. Alicerçada, inicialmente pela Medicina e Educação, a Psicologia conquistou espaço na necessidade de uma nova visão do homem e da sociedade. Através da demanda produzida pelo país de solucionar seus problemas, promover a educação, propiciar infraestrutura para a saúde e etc, a preocupação com os fenômenos psicológicos se tornou intensa propiciando, por assim dizer, condições para a busca de novos conhecimentos, muitos deles “importados” por brasileiros do exterior que, na época, foram em busca de uma formação superior que, como veremos a seguir, só foi criada no país no final do séc. XIX (ver p. 13). Talvez, por conta disso, o período que compreende a última década do séc. XIX à terceira década do séc. XX tenha sido considerado o momento histórico em que a Psicologia alcançou sua autonomia em relação às outras áreas de conhecimento, tornando-se reconhecida como ciência independente e, principalmente, integrada a vários e importantes campos da vida social brasileira, quer pela sua própria produção teórica, por sua prática ou até mesmo pelo fornecimento de técnicas aplicáveis às situações mais amplas que a própria Psicologia (Antunes, 2001; p. 116).
No entanto, numa pesquisa realizada por Massimi (1990), que abrange a História da Psicologia Brasileira- da época colonial até 1934, encontram-se fatos que comprovam que a manifestação pelo entendimento dos conhecimentos psicológicos se dá muito antes do séc. XIX. A mesma autora, em 2004, em um capítulo intitulado “As idéias Psicológicas na produção cultural da Companhia de Jesus no Brasil do séc. XVI e XVII” descreve que ao analisar a produção luso-brasileira colonial, verificou que delineavam-se temáticas mais relevantes no que diz respeito a conhecimentos e práticas psicológicas, assim como se destacava o papel significativo que alguns indivíduos exerciam, especialmente expressivos e atuantes no âmbito da cultura oficial ou da cultura acadêmica e popular brasileira (p. 27). Um exemplo dessa expressividade e atuação sob o povo brasileiro foram os jesuítas.
Formados pelo Colégio das Artes de Coimbra, palco de um dos movimentos filosóficos da época (Segunda Escolástica Ibérica12), eles chegaram ao Brasil após 1549 assumindo a função de portadores e transmissores da tradição medieval e renascentista da Europa, no contexto da colônia.
Através de seus ensinamentos, estimularam idéias, sonhos e desilusões, riquezas e contradições. A educação, portanto, era reconhecida como instrumento privilegiado para criar um novo homem e uma nova sociedade no Novo Mundo, ou seja, as Américas seriam o terreno fértil para se fecundar essa utopia, já que na Europa isso não foi possível. Para colocar em prática tal objetivo, os jesuítas viam na criação de escolas um dos caminhos possíveis para a realização do ideal preconizado (Massimi, 2004). Além disso, segundo a autora, este empreendimento acarretava a necessidade de formular conhecimentos e práticas de caráter pedagógico e psicológico (p. 29), o que mais tarde, seria identificado no conhecimento de si e do diálogo interpessoal, ambos promovidos pelo desenvolvimento da espiritualidade, recurso este utilizado pela Companhia na formação de seus membros.
Vale ressaltar que os jesuítas também receberam fortes influências dos textos de Aristóteles. Os comentários redigidos pela Companhia, encontrados em Comentários Conimbricenses à Ética a Nicômano, impressos em Lisboa em 1593, já que no Brasil, na época não havia imprensa, nos mostram que a concepção psicológica é claramente inspirada na tradição aristotélico-tomista13 onde a alma é definida como o ato primeiro e substancial do corpo, a forma do corpo e o princípio de toda atividade (Massimi, 2004; p.31-32). Mas além deste, outros tópicos de natureza psicológica também foram identificados neste período retratando a contínua preocupação com a formação do indivíduo: as noções acerca da estrutura e da dinâmica psicológica do homem (vontade, intelecto e apetite sensitivo), as noções acerca dos estados da alma definidos como paixões, e as relações entre as virtudes (hábitos) e as paixões (Massimi, 2004; p. 33).
Já nos séculos XVII e XVIII, a história das idéias psicológicas foi marcada por uma experiência bastante peculiar vivenciada pelos autores brasileiros: o do autodidatismo.
Naquele momento, o país ainda se resumia apenas numa colônia de exploração. Portugal visava o lucro e, portanto, decidia o que deveria ou não ser produzido e a maneira de fazê-lo.
Não havia universidades e escolas de terceiro grau no território nacional para os jovens brasileiros, o que acabou acarretando um êxodo dos mesmos para outros países com o objetivo de adquirir conhecimento. Aqueles que aqui ficaram adquiriram sua formação cultural num cenário bem diferente das grandes universidades da época: buscaram realizar seus estudos num contexto hostil, marcado pela desigualdade social, mas em momento algum, deixaram de produzir obras que de forma significativa, influenciaram o desenvolvimento das idéias psicológicas (Massimi, 2004).
Vários foram os autores que abordaram o tema, relacionando-o principalmente às condições vivenciadas pelo indivíduo. Entre eles podemos citar: Souza Nunes (1734-1808), Matias Aires Ramos da Silva de Eça (1705-1770), Francisco de Mello Franco (1757-1822), José Bonifácio de Andrade e Silva (1763-1838), este último teve algumas de suas obras analisadas por Massimi (2004).
Enquanto os jesuítas estavam preocupados em ensinar, corrigir, aconselhar e oferecer regras de várias naturezas aplicáveis universalmente, estes autores propunham a observação e reflexão da experiência individual, colocada como ponto de partida da realidade social. Mesmo caracterizando uma dispersão e isolamento, evidentes dos pensadores brasileiros, fruto talvez da desintegração da visão social ampla do séc. XVI (Morse apud Massimi, 2004), algumas idéias psicológicas são identificadas nesse período através das obras dos autores citados: o tema da existência humana como transformação, mudança, movimento; tristeza e pessimismo (marcado pela condição social que o indivíduo vivenciava na época); o conhecimento humano e suas limitações; a vaidade do homem apontada como limitação da própria razão humana, incapaz de atingir a verdade por estar presa à dinâmica das paixões e, ao que parece o início da apropriação da Psicologia pelas Ciências Médicas. A obra de Francisco de Mello Franco, por exemplo, publicada em 1813, trazia como premissa que o estado físico do corpo tinha grande influência nas manifestações da alma. Em outras palavras, Mello Franco propunha que a medicina do corpo também daria conta da medicina da alma (Mello Franco apud Massimi, 2004; p. 61). Mas Mello Franco apenas antecipou o que seria mais tarde uma realidade no séc. XIX: a produção do saber psicológico seria gerada no interior de outras áreas de conhecimento, fundamentalmente na Medicina e na Educação. Este processo, segundo Antunes (2001) ocorreu em decorrência das profundas transformações vivenciadas pelo país naquele período: o Brasil passa de colônia à condição de império, ainda que se mantendo sob o poder da realeza portuguesa, provocando profundas transformações à sociedade (p. 23). Essas transformações geraram a criação de cursos superiores para formar indivíduos capazes de dar conta da nova situação do país. Entre os cursos estavam inseridas as duas escolas médico-cirúrgicas instaladas em Salvador e no Rio de Janeiro, transformadas em 1832, em Escolas de Medicina, a Faculdade de Farmácia (1832), as Escolas de Belas Artes (1877), Direito (1891) e a Politécnica (1897). Essas três últimas derivaram-se da iniciativa privada, formando em 1946 a recém fundada Universidade Federal da Bahia (Rocha, 2004; p. 89).
Mas são nas Escolas de Medicina acima citadas, que se tem registros das primeiras teses publicadas sobre assuntos psicológicos. Na época, os médicos para adquirirem o título de doutor, precisavam, como em qualquer profissão nos dias de hoje, defender uma tese de doutoramento ou inaugural, que lhe conferia o título. Alguns dos trabalhos encontrados segundo Antunes (2001), tratavam, grosso modo, de temas relacionados à Psiquiatria, Neurologia, Neuriatria, Medicina Social e Medicina Legal. No entanto, muitas dessas teses antecedem a criação formal de uma cátedra afim às questões psicológicas, já que a primeira delas foi criada em 1881 e denominada de “Clínica das Moléstias Mentais” e o registro que se tem de teses que tratam do fenômeno psicológico data de 1836 (p. 27).
Os assuntos mais freqüentes encontrados nos conteúdos das teses foram amizade, amor, gratidão, amor pela pátria, sexualidade (cópula, onanismo, histeria, ninfomania, prostituição) e epilepsia, esta relacionada ao crime (área da Medicina Legal). Mas, foi só ao final desse período que os temas mais próximos da Psicologia começaram a surgir, revelando características de maior rigor metodológico bem como uma base científica mais apurada. Um exemplo foi uma tese14 defendida no final do séc. XIX, considerada por alguns autores como sendo o primeiro trabalho de Psicologia Experimental, baseado em número significativo de dados obtidos experimentalmente com o uso do psicômetro de Buccola (Antunes, 2001).
A partir daí, encontram-se também teses na área da Medicina Social, priorizando melhores condições de saneamento das cidades e saúde da população que, até então, eram extremamente precárias. Em 1830, também se iniciam as primeiras reivindicações para criação de hospícios já que “os loucos” eram normalmente encarcerados em prisões comuns, ou reclusos em celas especiais das Santas Casas ou ainda, abandonados pelas ruas.
O resultado desse movimento gerou, em 1842, a criação do Hospício Pedro II no Rio de Janeiro. Assim como em outros países da Europa, “os loucos” eram afastados de sua família, da sociedade para assumir uma rotina de isolamento, vigilância, distribuição e organização de tempo com vistas à repressão, controle e individualização (Antunes, 2001; p.30).
Já no que diz respeito às influências exercidas pela Educação na produção do pensamento psicológico, encontram-se as correntes de pensamento herdadas da Europa. O liberalismo, o positivismo, a forte presença do tomismo e do empirismo, o espiritualismo francês e o idealismo alemão são algumas das correntes que constituíram, em seus conteúdos, questões relacionadas à natureza psicológica. Vale ressaltar que estes conteúdos eram encontrados nos programas dos cursos superiores criados neste século, sobretudo em obras filosóficas escritas por teólogos, médicos e professores. Segundo Antunes (2001), tais obras consideravam a Psicologia como parte integrante da metafísica, tendo como objetivo de estudo geralmente “a alma”, “o espírito” e “o eu” (p. 25).
Outra influência apontada pela autora em relação ao desenvolvimento do pensamento psicológico foi a preocupação pedagógica da época. Os profissionais designados à educação entendiam que os métodos de ensino envolviam não só o conteúdo a ser ensinado, mas principalmente a necessidade de conhecimento sobre o educando e à formação do educador, o qual deveria dominar esse saber para realizar mais eficazmente sua ação pedagógica (p. 25). Passa-se a se esboçar, portanto, uma sistematização que irá assumir dimensões maiores no séc. XX, buscando maior aprofundamento e especialmente maior rigor metodológico em seu estudo, o que, historicamente, culmina com o reconhecimento da Psicologia como ciência na mesma época, na Europa e, em seguida nos Estados Unidos.
Pode-se dizer, portanto, que a virada do século caracterizou um intenso desenvolvimento da ciência psicológica em todas as instâncias, quer no plano teórico, destacando-se a diversidade de abordagens surgidas nessa época, como o aumento significativo na produção de pesquisas-quer no plano prático, em que esta ciência penetrou e ampliou seu potencial de aplicação (Antunes, 2001; p. 37).
Mesmo assim, a Psicologia no Brasil ainda permaneceu ligada a outras áreas do saber por muitos anos e, só gradativamente, foi delas se separando e assumindo seu espaço próprio por meio da definição e delimitação cada vez mais explícitas de seu objeto de estudo e seu campo próprio de ação.
O Brasil da década de 1930 traz um cenário de diversas transformações, entre elas o início do processo de industrialização que acaba mobilizando no país, a necessidade de otimização do trabalho assim como a eficientização do processo educacional como uma possibilidade de atender uma parcela significativa dos problemas referentes à força de trabalho (Mancebo apud Mancebo, 2001). Portanto, as primeiras intervenções psicológicas no Brasil ocorreram junto aos trabalhadores que, na época, passaram a ser selecionados para trabalhar nas indústrias e no comércio, a partir da criação do Departamento do Serviço Público (DASP), no governo Getúlio Vargas, através de concursos. Cabia à Psicologia avaliar aptidões e habilidades dos indivíduos como um critério de alocação dos sujeitos no trabalho promovendo, ao lado do aperfeiçoamento técnico, uma adaptação mais harmoniosa e produtiva aos cargos e funções (Mancebo, 2001; p. 3-4). Isso significou, do ponto de vista da intervenção, a aplicação de testes psicológicos e descoberta de aptidões profissionais individuais e seleção/orientação prévia para o mercado de trabalho. Um exemplo disso foi o curso ministrado em 1945 na Fundação Getúlio Vargas, pelo professor Mira y Lopes, figura de relevo internacional no campo da Psicologia Aplicada ao trabalho, cujo tema foram os problemas enfrentados em seleção, orientação e readaptação (Mancebo, 2001).
Além deste, outros fatos históricos auxiliaram no crescimento da Psicologia não só enquanto ciência, mas enquanto campo de atuação.
Observa-se que houve um amadurecimento da Psicologia entre 1953 e 1962, período este em que o número de atividades realizadas aponta para indícios de uma maior organização e sistematização tanto da área de conhecimento quanto da profissão. Não à toa, os esforços dos profissionais engajados nessas e outras atividades resultaram, mesmo com a reivindicação de um grupo de médicos pelo veto ao exercício da psicoterapia por profissionais que não tivessem formação em Medicina17, na aprovação da lei nº 4119, em 27 de agosto de 1962, que reconhecia a profissão de psicólogo no país. Esta lei foi acompanhada por uma ementa que dispunha sobre os cursos de formação deste profissional e fixava seu currículo mínimo.
Também em 1962, a Portaria nº 227 baixada pelo Ministério da Educação, designou uma comissão de professores de Psicologia e de especialistas em Psicologia Aplicada para apreciar a documentação de candidatos ao registro profissional de psicólogo. No entanto, por falta de atos complementares à lei, a comissão não conseguiu dar início às atividades naquele ano, dando continuidade ao processo apenas em 1963, quando, nova portaria garantindo as necessidades legais, possibilitou o início dos trabalhos da comissão que recebeu, só nesta época, 1.511 pedidos para a obtenção do registro profissional. Estes profissionais, pode-se afirmar, foram os primeiros psicólogos reconhecidos legalmente no país, cuja formação superior fora obtida principalmente em Pedagogia e Filosofia permitindo ao Brasil, o lugar de um dos primeiros países do mundo a aprovar e regulamentar legalmente a profissão de psicólogo (Massimi, 1990; p. 1).
Mas a luta só estava começando afinal, da mesma forma que a situação política do país alavancou o desenvolvimento da Psicologia e seu reconhecimento como profissão, assim também provocou inúmeras adversidades através dos acontecimentos ocorridos na época, como por exemplo, o Golpe de 64 e a Reforma Universitária de 1968.
É, também, no decorrer desse período que acaba se observando um aumento significativo das Instituições de Ensino Superior (IES) no setor privado. As IES funcionavam, na maioria das vezes, em condições precárias oferecendo cursos que não necessitavam nada mais do que salas de aula e professores, estes últimos nem sempre possuíam a qualificação esperada para formar novos profissionais (Antunes, 2004). Ainda assim, a procura pelos cursos superiores aumentou consideravelmente, da mesma maneira que o interesse pela Psicologia.
Na verdade, pelo fato do curso de Psicologia não significar, naquela época, muito investimento para as instituições no que diz respeito a sua estrutura na utilização de material, equipamentos de laboratório, etc, as IES particulares passaram a deter o maior número de cursos de Psicologia e conseqüentemente, a responsabilidade na formação dos futuros psicólogos a caminho do mercado de trabalho.
Os psicólogos encaminhados ao mercado de trabalho passaram, então, a responder a uma demanda maior do que a realidade, provocando saturamento, desemprego quando, não obstante, mão de obra inadequada apontada por Antunes (2004) quando se refere por exemplo, à discussão fomentada na época, entre Psicologia e Educação, um dos primeiros campos de intervenção do psicólogo fora da clínica: ou seja, de um lado, o conhecimento psicológico estava incorporado aos diferentes aspectos da Pedagogia e à prática profissional dos educadores; por outro lado, a atuação do psicólogo na escola estava muito mais calcada numa perspectiva clínica, ocupando-se do atendimento individual de crianças designadas como portadoras de problemas de aprendizagem (Antunes, 2004; p.141).
Não diferentemente do que se esperava, duras críticas foram feitas, tanto por psicólogos quanto por educadores, em relação à atuação dos psicólogos na escola apontando para uma deficiência na adequação do fazer deste profissional. Houve até um momento, em que muitos dos psicólogos desacreditaram na possibilidade da Psicologia contribuir com as questões educacionais, o que mobilizou a inibição de muitos psicólogos, na época, em dar continuidade ao trabalho na escola, já que a expectativa de sua atuação estava voltada para a clínica e não para intervenções pedagógicas e coletivas. Os poucos trabalhos que conseguiram intervir no espaço escolar de maneira mais ampla, foram aqueles que se firmaram e permitiram ao longo dos anos, o desenvolvimento da Psicologia Escolar (Antunes, 2004).
Em outras palavras, o exemplo acima citado serve para demonstrar que todos os campos de atuação delimitados pela Psicologia ao longo de sua trajetória tiveram seu saber e saber fazer questionados por outros profissionais que, a princípio se consideravam, por sua formação e prática, “proprietários” do conhecimento que caracterizava esses campos.
O problema, no entanto, é que muitas vezes, os questionamentos acabaram por se concentrar não só no campo das idéias (delimitação de espaços e habilidades), o que teria contribuído e muito, para o crescimento de ambos, mas sim, na substituição do profissional de Psicologia por outro, que se julgava capaz de exercer o mesmo tipo de trabalho ou intervenção do psicólogo.
Por conta disso e de outros fatores caracterizados na emergência de discutir o papel do psicólogo nos dias atuais, a Psicologia se viu com a missão de, não só regulamentar, legalmente, os campos de atuação do psicólogo, mas, principalmente, discutir continuamente os saberes que envolvem e alicerçam sua prática.
Esse movimento pode ser comprovado por diversas publicações, organizadas por profissionais da área, principais escritores dessa história, que têm produzido conhecimento através de pesquisas que auxiliam na formalização da atuação do psicólogo nos mais diversos campos nos quais têm atuado, ultimamente, incluindo aqueles que, há algum tempo atrás, não eram reconhecidos como possibilidade para o psicólogo. É o caso da Psicologia do Trânsito, Psicologia Jurídica, Psicologia do Esporte (tema desse curso), entre outros.
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